Telefones mudos
Alguns eventos do ano em que eu estava na sexta série não me são nítidos. Não me lembro das minhas notas ou dos programas familiares nos feriados. Não posso lhe dizer o nome da garota de cabelos castanhos de quem gostei ou do diretor da escola. Mas aquele anoitecer de primavera em 1967...Ah! Dele me recordo com clareza.
Estou sentado no quarto de meus pais. Os temas debatidos durante o jantar ecoam pelo corredor. Temos convidados, mas pedi para sair da mesa. Mamãe fez torta, mas abri mão da sobremesa. Nada estava sociável. Não tinha apetite. Quem tem tempo para conversa fiada ou torta em um momento como esse?
Preciso concentrar-me no telefone.
Eu esperava o telefonema antes do jantar. Ele não veio. Eu ouviria o telefone tocar durante o jantar. Ele não tocou. Agora estou fitando os olhos no telefone como um cachorro com os olhos fixos em um osso, esperando que o técnico da Little League me diga que estou em seu time de beisebol.
Estou sentado na cama; minha luva está ao meu lado. Posso ouvir meus amigos brincando lá fora na rua. Não me importo. Tudo o que importa é o telefone. Quero que ele toque.
Ele não toca.
Os convidados vão embora. Ajudo a lavar a louça e termino minha lição de casa. Papai me elogia. Mamãe diz coisas bacanas. Já está quase na hora de ir para a cama. E o telefone nunca toca. Fica mudo. Um silêncio doloroso.
No grande esquema das coisas, ficar de fora de um time de beisebol pouco importa. Mas garotos de 12 anos não podem ver o grande esquema das coisas e, para eles, fazer parte de um time é muito importante, e minha mente só pensava no que eu diria quando os coleguinhas da escola perguntassem que time havia me escolhido.
Você conhece a dor de um telefonema que não vem. Todos conhecemos.
Você conhece essa sensação. O telefone também não tocou para você. Em um esquema muito maior das coisas, ele não tocou. Quando você se candidatou para o emprego ou para o clube, tentou compensar ou obter ajuda... o telefonema nunca veio. Você conhece a dor de um telefonema que não vem. Todos conhecemos.
Forjamos frases no momento. Ele acabou "pagando o pato". Ela foi deixada "no altar". Eles foram "ignorados". Ou o meu favorito: "Ele estava cuidando das ovelhas". Este era o caso de Davi.
A história de Davi começa não no campo de batalha com Golias, mas na encosta das antigas montanhas de Israel como um sacerdote de barba cor-de-prata que anda devagar por um caminho estreito. Um novilho segue-o com dificuldade. Belém está à sua frente. A ansiedade surge dentro dele. Fazendeiros no campo notam sua presença. Aqueles que conhecem seu rosto sussurram seu nome. Aqueles que ouvem o seu nome se viram para fitar seu rosto.
"Samuel?" O sacerdote escolhido de Deus. Sua mãe era Ana. Seu mentor era Eli. Foi chamado por Deus. Quando os filhos de Eli ficaram amargurados, Samuel deu um passo à frente. Quando Israel precisou de foco espiritual, Samuel o proveu. Quando Israel quis um rei, Samuel ungiu um... Saul.
O mesmo nome leva Samuel a gemer. Saul. O alto Saul. O forte Saul. Os israelitas queriam um rei, por isso temos um rei. Queriam um líder, por isso temos... um miserável. Samuel olha de um lado para o outro, com medo de que pudesse ter dito em voz alta o que pretendia apenas pensar.
Ninguém o ouve. Ele está seguro... tão seguro quanto se pode estar durante o reinado de um rei que se tornou um maníaco. O coração de Saul está ficando mais duro, seus olhos ainda mais perturbados. Ele não é o rei que costumava ser. Aos olhos de Deus, nem rei ele é mais. O Senhor diz para Samuel:
Até quando você irá se entristecer por causa de Saul? Eu o rejeitei como rei de Israel. Encha um chifre com óleo e vá a Belém; eu o enviarei a Jessé. Escolhi um de seus filhos para tornar-se rei (1 Samuel 16:1).
E assim Samuel segue o caminho para Belém. Sua barriga remexe e os pensamentos correm. É perigoso ungir um rei quando Israel já tem um. Contudo, é mais perigoso viver sem um líder nesses momentos explosivos.
Os mil anos anteriores a Cristo foram tempos ruins para esse ajuntamento decadente de tribos chamado Israel. Josué e Moisés eram heróis que figuravam na história. Três séculos de inverno espiritual haviam congelado a fé do povo. Um escritor descreveu os dias entre Josué e Samuel com esta sucinta frase: "Naquela época não havia rei em Israel; cada um fazia o que lhe parecia certo" (Juizes 21:25). A corrupção alimentava a divisão. A imoralidade gerava brutalidade. O povo exigiu um rei — mas, em vez de salvar o navio, Saul quase o fez afundar. O primeiro monarca de Israel revelou-se um asno psicótico.
E então surgiram os filisteus: um povo dado à guerra, sedento de sangue e fonte de gigantes, que monopolizava o ferro e o trabalho dos ferreiros. Eles eram pardos. Os hebreus eram rosados. Os filisteus construíam cidades; os hebreus amontoavam-se em tribos e tendas. Os filisteus faziam armas de ferro; os hebreus lutavam com fundas e flechas grosseiras. Os filisteus faziam ameaças gritando em carros reluzentes; os israelitas retaliavam com facas e ferramentas usadas em fazendas. Ora, em uma batalha todo o exército hebreu só tinha duas espadas — uma para Saul e a outra para seu filho Jônatas (1 Samuel 13:22).
A corrupção vinha de dentro. O perigo vinha de fora. Saul era fraco. A nação, mais fraca. O que Samuel deveria ter feito? O que Deus fez? Ele fez o que ninguém imaginou. Enviou um convite surpresa para todos os que eram de Nenhum Lugar.
Ele enviou Samuel para Red Eye, em Minnesota. Na verdade, não. Enviou o sacerdote para Sawgrass, no Mississippi. Não, não exatamente... Deu a Samuel uma passagem de ônibus para Muleshoe, no Texas.
Tudo bem, ele não fez isso também. Mas ele poderia ter feito. A Belém da época de Samuel era parecida com Red Eye, Sawgrass ou Muleshoe: uma vila sossegada, esquecida pelo tempo, que ficava em uma montanha no sopé de outras mais altas a quase dez quilômetros ao sul de Jerusalém. Belém ficava cerca de 600 metros acima do Mediterrâneo, de onde se viam colinas suaves e verdes que aplainavam pastos desolados e irregulares. Rute conhecia essa aldeia. Jesus clamou pela primeira vez sob o céu de Belém.
Contudo, mil anos antes de nascer um bebê em uma manjedoura, Samuel entra na vila, puxando um novilho. Sua chegada faz com que os habitantes virem suas cabeças para vê-lo. Profetas não visitam Belém. Viera ele para castigar alguém ou se esconder em algum lugar? Nem uma coisa nem outra — assegura o profeta de ombros caídos. Ele viera para sacrificar o animal para Deus e convida os anciãos e Jessé e seus filhos para se juntarem a ele.
A cena lembra uma exibição de cachorros. Jessé exibe seus filhos um de cada vez, como cães com coleiras. Samuel examina-os de vários ângulos, pronto, por mais de uma vez, para dar-lhes a distinção máxima; mas, em cada uma delas, Deus o impede.
Eliabe, o mais velho, parece a escolha lógica. Imagine-o como o Casanova da vila: cabelos ondulados, maxilar saudável. Ele usa uma calça jeans apertada e tem um sorriso perfeito. Este é o cara, pensa Samuel.
"Errado", diz Deus.
Abinadabe entra como o segundo irmão e concorrente.Você acharia que quem havia acabado de entrar era um modelo de uma revista masculina. Terno italiano. Sapatos de couro de crocodilo. Cabelos negros, alisados para trás com brilhantina. Quer um rei estiloso? Abinadabe tem esse perfil.
O SENHOR não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o SENHOR vê o coração (1 Samuel 16:7).
Deus não está interessado em estilo. Samuel pede para que entre o terceiro irmão, Samá. Ele é estudioso, aplicado. Lucraria com um transplante de carisma, mas tem massa cinzenta sobrando. É formado pela Universidade Estadual e está de olho em um programa de pós-graduação no Egito. Jessé sussurra para Samuel: "Orador oficial da Escola de Belém".
Samuel fica impressionado, mas Deus não. Deus faz o sacerdote se lembrar: "O SENHOR não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o SENHOR vê o coração" (1 Samuel 16:7).
Sete filhos passam. Sete filhos fracassam. O desfile pára.
Samuel conta os irmãos: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete.
— Jessé, você não tem oito filhos?
Uma pergunta semelhante fez a madrasta de Cinderela contorcer-se. Jessé provavelmente fez o mesmo. "Ainda tenho o caçula, mas ele está cuidando das ovelhas" (16:11).
O termo hebraico para "caçula" é haqqaton e indica mais do que idade; sugere posição. O haqqaton era mais do que o irmão caçula; era o irmãozinho — o tampinha, o hobbit, o "bêêê-bêêê".
Cabe ao haqqaton da família cuidar das ovelhas. Coloque o menino onde ele não possa causar problemas. Deixe-o com cabeças cheias de lã e céu aberto.
E é ali que encontramos Davi, no pasto com o rebanho. As Escrituras dedicam 66 capítulos à sua história, deixando-o, em número de referências, atrás somente de Jesus. O Novo Testamento menciona seu nome 59 vezes. Ele estabelecerá e habitará a cidade mais famosa do mundo, Jerusalém. O Filho de Deus será chamado o Filho de Davi. Os maiores salmos fluirão de sua pena. Iremos chamá-lo de rei, guerreiro, menestrel e matador de gigantes. Mas, hoje, ele nem está incluído na reunião familiar; é simplesmente uma criança esquecida e descredenciada, realizando uma tarefa doméstica em uma cidade que não passa de um ponto no mapa.
O que levou Deus a escolhê-lo? Queremos saber. Realmente queremos saber.
Afinal, andamos pelo pasto de Davi, o pasto da exclusão.
Estamos cansados do sistema superficial da sociedade, de sermos classificados de acordo com os centímetros de nossa cintura, os metros quadrados de nossa casa, a cor de nossa pele, o modelo de nosso carro, a marca de nossas roupas, o tamanho de nosso escritório, a presença de diplomas, a ausência de espinhas. Não estamos cansados desses joguinhos?
O trabalho duro é ignorado. A devoção não compensa. O chefe prefere a segmentação ao caráter. O professor escolhe alunos mimados em vez de alunos preparados. Os pais exibem seus filhos preferidos e deixam os nanicos lá fora no campo. Oh, o Golias da exclusão!
Você está cansado dele? Então é hora de parar de olhar para ele. Quem se importa com o que ele ou eles pensam? O que importa é o que o seu Criador pensa. "O SENHOR não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o SENHOR vê o coração" (16:7).
Essas palavras foram escritas para os haqqatons da sociedade, os que se sentem como peixes fora d'água, excluídos. Deus usa a todos eles.
Moisés fugiu da justiça, mas Deus o usou.
Jonas fugiu de Deus, mas Deus o usou.
Raabe dirigia um bordel, Sansão correu para os braços da mulher errada, Jacó correu em círculos, Elias correu para as montanhas, Sara perdeu a esperança, Ló andou com a multidão errada, mas Deus usou a todos eles.
E Davi? Deus viu um adolescente servindo-lhe lá no meio do mato, em Belém, entre o tédio e o anonimato, e, com a voz de um irmão, Deus chamou: "Davi! Entre. Alguém quer vê-lo". Os olhos humanos viram um adolescente magricelo entrar na casa, cheirando a ovelha e com a aparência de quem precisava de um banho. Contudo,"o SENHOR disse: 'É este! Levante-se e unja-o'" (16:12).
Deus viu o que ninguém viu: um coração que o buscava. Davi, apesar de todos os seus defeitos, buscava Deus assim como uma cotovia procura o nascer do sol. Ele buscava o coração de Deus, porque esperava no coração de Deus. No final, é tudo o que Deus queria ou precisava... quer ou precisa. Outras pessoas medem o tamanho de sua cintura ou de sua carteira. Deus não. Ele examina corações. Quando encontra um coração que está nele, Deus o chama e o reclama para si.
Deus examina corações. Quando encontra um coração que está nele, ele o chama e o reclama.
A propósito, você se lembra de quanto esperei pelo toque do telefone naquela noite? Ele nunca tocou. Mas a campainha da porta sim.
Muito tempo depois de minhas esperanças terem se esvaído e de minha luva ter sido pendurada, a campainha tocou. Era o técnico. Ele deu a entender que eu havia sido o primeiro a ser escolhido e achou que um assistente havia telefonado para mim. Só depois descobri a verdade. Eu havia sido o último a ser escolhido. E, não fosse o telefonema de meu pai, talvez eu ficasse de fora do time.
Mas papai telefonou e o técnico apareceu; e eu fiquei feliz em jogar.
A história do jovem Davi dá-nos esta garantia: seu Pai conhece o seu coração e, por causa disso, ele tem um lugar reservado somente para você.
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